Imagine um peixe de água doce que pode pesar mais de 200 quilos e chegar a 3 metros de comprimento. Este é o pirarucu, o gigante da Amazônia, que já esteve na lista de espécies ameaçadas de extinção, mas, graças a ações coletivas de comunidades ribeirinhas e indígenas, esse quadro foi revertido. Hoje, por meio do manejo sustentável, a espécie saiu do mapa de extinção, respeitando o período certo para pesca e gerando renda justa para as populações tradicionais, além de possibilitar a conservação de milhões de hectares de floresta.
Apesar do pirarucu selvagem de manejo sustentável ser um produto de alto valor gastronômico, ecológico e social, os manejadores encontram grandes dificuldades para comercializar o pescado a um preço justo, que cubra os gastos de produção e os remunere proteção da biodiversidade em seus territórios. Desde 2018, o Coletivo do Pirarucu, uma coalizão entre associações comunitárias de manejadores de pirarucu de povos indígenas e comunidades tradicionais do Amazonas, e seus parceiros, governamentais e não governamentais, busca novos mercados que reconheçam o valor socioambiental do pescado de manejo sustentável, e paguem de forma justa as comunidades pela conservação do pirarucu e da floresta em pé.
Este grupo implementou um arranjo comercial que proporcionou um aumento de 75% do valor pago aos manejadores pelo quilo do pirarucu de manejo sustentável. Enquanto a média paga no último ano na região foi de R$4,50/Kg, o arranjo coletivo paga R$7,00/Kg, beneficiando 2.100 pessoas, que tiveram sua renda anual acrescida em R$1,2 milhão. Agora, o Coletivo do Pirarucu estuda abrir novos mercados no exterior para comercializar a carne e também a pele do pirarucu.
O projeto ainda está em fase de estudo e construção de parcerias com organizações especializadas na exportação de produtos com alto valor socioambiental, visando conquistar mercados dispostos a pagar um valor mais alto por um produto que contribui para a conservação da maior floresta tropical do mundo. No futuro, a Amazônia pode se tornar um grande centro produtor de alimentos saudáveis, que pode abastecer parte da população brasileira e global com produtos da sociobiodiversidade, é o que explica João Campos-Silva, presidente do Instituto Juruá, que faz parte do Coletivo do Pirarucu.
“O que precisamos no momento é valorizar o manejo e o manejador. Em países desenvolvidos, existe uma cultura mais consolidada onde os consumidores estão dispostos a pagar mais por um produto que tem mais valor social e ambiental. Portanto, novos mercados só fazem sentido se trouxerem uma maior valorização do pescador, que está lá na ponta garantindo um alimento de qualidade e preservação. É nessa perspectiva que o Coletivo pensa na abertura de novos mercados. O maior esforço, por enquanto, tem sido na ampliação e consolidação do mercado interno”, comenta.
Manejo do pirarucu melhora a qualidade de vida de comunidades amazônicas
A comercialização do pirarucu de manejo sustentável permite que comunidades indígenas e ribeirinhas mantenham seus modos de vida tradicionais, com qualidade e em harmonia com um ambiente saudável. Em 2021, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), do Amazonas, liberou a pesca de mais de 4 mil peixes.
Para este ano, o manejador Diomir de Souza Santos, da Associação dos Comunitários Que Trabalham Com Desenvolvimento Sustentável no Município de Jutaí (ACJ), uma das organizações de base membro do Coletivo do Pirarucu, afirma que as expectativas são as melhores. No último ano, a pandemia de Covid-19 atrapalhou o comércio do pirarucu, pois o fechamento dos restaurantes diminuiu a compra da produção . “Além disso, houve um grande aumento do valor dos insumos, que são necessários para a realização da pesca pelos grupos de manejo, como alimentação, combustível, barco e gelo”, comenta o manejador.
O manejo sustentável do pirarucu vem mudando a realidade de muitas comunidades amazônicas. Além de contribuir para a organização comunitária, e para a proteção dos territórios, o manejo é importante fonte de renda para as populações ribeirinhas e indígenas, que investem os recursos oriundos da comercialização do pirarucu em melhorias estruturais para as comunidades e residências, e em equipamentos e insumos para a pesca e para a vigilância dos territórios.
“A importância de preservar o pirarucu é justamente a garantia que você está tirando somente aquilo que o recurso é capaz de recuperar no ambiente natural. Isso garante que as comunidades tenham produção ao longo dos anos, gerando renda para os pescadores”, afirma Ana Cláudia Torres, coordenadora do Programa de Manejo de Pesca do Instituto Mamirauá, também membro do Coletivo. Na região do Médio Rio Solimões, área de atuação do instituto, a implementação dos planos de manejo possibilitou o aumento dos estoques de pirarucu em 427% em 22 anos.
O manejo sustentável do pirarucu é regulamentado pelo IBAMA e demais órgãos responsáveis pelas áreas protegidas onde acontece a pesca (ICMBio, FUNAI e SEMA/AM). O pirarucu só pode ser pescado uma vez ao ano, em áreas definidas, e baseadas em cotas de abate emitidas para cada grupo de manejadores, sendo autorizado o abate de no máximo 30% da população de peixes adultos (acima de 1,5 metros), contados em cada ambiente de pesca nos lagos amazônicos.
“Temos a garantia de que 70% dos peixes adultos estão protegidos e permanecerão nestes sistemas naturais reproduzindo e mantendo os estoques saudáveis; além dos adultos, tem-se também nestes ambientes um enorme número de peixes juvenis, jovens e filhotes. Isso garante a sustentabilidade bioecológica da atividade – quer dizer, temos segurança que explorando o pirarucu desta forma não teremos problemas de sobreexploração, por conta de um sistema de exploração pesqueira que não respeitou estes critérios para garantir a viabilidade da pesca sem sobreexplorar os estoques, o que resultou em colocar a espécie em risco de extinção”, lembra Felipe Rossoni, indigenista da Operação Amazônia Nativa.
Gosto da Amazônia apresenta a carne de pirarucu para outras regiões do Brasil
Na Amazônia, o pirarucu é um peixe amplamente consumido há séculos, porém no resto do país, sua carne ainda é pouco conhecida. A marca coletiva Gosto da Amazônia, uma iniciativa do Coletivo do Pirarucu, nasceu como uma forma de promover a comercialização conjunta do pirarucu selvagem de manejo para públicos de outras regiões.
Para Sérgio Abdon, responsável pela área de promoção e eventos da marca coletiva Gosto da Amazônia, qualquer iniciativa que busque novos mercados consumidores deve trazer benefícios para as comunidades manejadoras. “Estamos falando de um produto ainda pouco conhecido fora da região norte do Brasil, que além de ser saboroso e muito versátil para a gastronomia, simboliza uma Amazônia produtiva, sustentável e economicamente viável. Tanto a internacionalização quanto a venda e distribuição do pirarucu selvagem de manejo em outras cidades do país também podem ajudar bastante no aprimoramento gradativo do produto, alavancado pelas normas e preferências de cada mercado”, comenta.
A Gosto da Amazônia já realizou festivais nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. Em setembro, entre os dias 09 e 26, está programado para acontecer mais uma edição em Brasília, e no mês de novembro, em São Paulo. Ainda neste ano, o festival deve marcar presença no Rio Gastronomia, maior evento do segmento no país.
“Para o ano que vem, estão no nosso radar Belo Horizonte e uma atuação mais intensa em Manaus. A expectativa é fecharmos o ano com mais de 30 toneladas vendidas para fora de Manaus em 2021, período ainda muito impactado pela pandemia, uma vez que nossos principais clientes nesses mercados são os restaurantes. No ano que vem, esperamos somar a esse volume a venda para indústrias de alimentação e varejo, além de continuar em busca de um crescimento permanente junto ao setor de alimentação fora do lar”, finaliza.
Sobre o Coletivo do Pirarucu
O Coletivo do Pirarucu representa cerca de 4 mil manejadores de povos indígenas e comunidades tradicionais, das bacias dos rios Negro, Solimões, Juruá e Purus, no Amazonas, em aproximadamente 30 áreas protegidas do Amazonas, entre Reservas Extrativistas, Reservas de Desenvolvimento Sustentável, Terras Indígenas e Acordos de Pesca, em 17 municípios do estado. É formado por associações de base de manejadores de pirarucu ribeirinhos e indígenas e seus parceiros governamentais e não governamentais, que trocam experiências e desenvolvem propostas e estratégias conjuntas para a valorização do manejo participativo do pirarucu e comercialização do pescado a preço justo. Em 2019, foi criada a marca coletiva Gosto da Amazônia, com o objetivo de expandir a venda do pirarucu de manejo fora da Amazônia, com a abertura do mercado para as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.